A viagem que é migrar por Dina Gattai
Dina Gattai é uma daquelas pessoas que você precisa e quer conhecer. Mas você deve estar se perguntando o porquê de eu escrever isso, não é?
Esta coluna do Blog - A viagem que é migrar - busca trazer relatos, experiências, perspectivas de quem já migrou, pois esta é uma daquelas viagens mais loucas que se faz na vida (risos). Você planeja tudo direitinho, tem os documentos em ordem alfabética, mas volta e meia passa um tsunami e nada é como se esperava.
Por isso, eu te digo que você precisa conhecer a Dina Gattai. Precisa, pois ela tem muita experiência em migrações, e vai te dizer coisas que você não imaginaria viver, e quando acontecer, vai se lembrar dela, e vai entender que dá para levantar de novo, e de novo, e de novo.
E por que eu digo que você quer conhecer? Pense em uma pessoa alegre, daquelas que faz piada com o próprio problema, que é crítica sem ser inconveniente, inteligente sem ser estúpida. Fico feliz por ela ter mudado (mais uma vez) de país, e ter a disponibilidade de atravessar uma ponte para almoçar comigo.
Depois de tudo isso, te convido a conhecer mais sobre a Dina Gattai, e em especial, sobre o que ela escreve também no blog Sei Nada Sobre Tudo.
Vamos ao texto da Dina Gattai!
"Imigrante Profissional
Meu nome é Dina e eu queria muito ser uma imigrante profissional, mas infelizmente imigrar não dá dinheiro, aliás, imigrar te faz gastar muito mais dinheiro do que você inicialmente havia planejado.
Faz pouco mais de um ano que eu me mudei para Portugal com meu marido, minha filha e meus dois cachorros. Antes de vir para cá morávamos nos Estados Unidos, onde minha filha nasceu. Antes disso eu morava no Brasil, mas já morei na Guatemala e na Austrália também. Pode-se dizer que eu sou uma imigrante experiente, porém com privilégios e eu vou falar disso daqui a pouco, mas deixa eu começar do começo.
Desde pequena eu sempre fui muito desapegada, talvez porque eu mudei muitas vezes de casa e de cidade fui aprendendo a não me apegar a nada material, coisas são coisas. Mas todas essas mudanças também me trouxeram um desapego em relação à pessoas. Claro que eu tenho saudade e vontade de estar perto da minha família e amigos, mas eu aprendi a me manter conectada com eles de outras maneiras que não presenciais. E esse é o ponto de partida para imigrar.
Minha primeira grande mudança de país foi para a Austrália. Fui fazer um mestrado na cidade de Brisbane e por lá fiquei por dois anos. Eu não era tão jovem, já tinha 30 anos, mas foi uma das épocas mais felizes da minha vida. Eu estudava, tinha uma vida social super agitada, trabalhava como garçonete e caixa nos estádios, e tive a oportunidade de conhecer gente do mundo inteiro, muitos dos quais são meus amigos até hoje.
No meio de toda essa alegria eu percebi um padrão, que veio a se confirmar depois em todos os lugares onde eu morei - os meus amigos mais próximos, as pessoas com quem eu conseguia ter um relacionamento mais profundo, eram todos latinos. E o que eu descobri é que é extremamente difícil você conseguir se inserir em uma cultura que não é sua, é raro você ter amizades profundas com pessoas de países tão diferentes.
E por falar em amizades, se você imigrar, prepare-se para perder muitos amigos. Perder talvez seja uma palavra muito forte, se afastar fica melhor. Ao sair do país você vai perceber que o número de amigos verdadeiros vai diminuir muito. Você pode até continuar tendo contato com todo mundo nos grupos de whatsapp ou redes sociais, mas os amigos com quem você se sente confortável mesmo depois de meses ou anos sem se ver , vão ser muito poucos.
Quando você imigra você muda, e muitas pessoas, que antes pareciam muito próximas, não conseguem mudar com você, não acompanham essa pessoa em quem você se transforma e acabam ficando pelo caminho. E tá tudo bem, o importante é conseguir manter por perto, mesmo de longe, aqueles amigos que seguem nessa caminhada junto com você.
Saindo da Austrália eu fui morar na Guatemala, no interior da Guatemala para ser mais exata, em uma vila chamada Panajachel. Eu tinha concluído meu mestrado em Relações Internacionais e fui trabalhar em uma ONG que atendia as famílias Maias dessa região.
Sair de um país rico como a Austrália para ir morar na Guatemala foi um choque bem grande. A vila onde eu morava não tinha nem lojas, apenas um supermercado e pequenos restaurantes e pousadas, por ser um local turístico. Eu morei lá um ano sem televisão, sem internet em casa, sem comprar uma roupa nova e, por incrível que pareça, sem sentir falta de nada disso.
E essa foi a minha segunda grande lição sobre imigração, você se adapta. Hoje me parece impossível viver aquela vida novamente, mas quando eu estava lá eu estava feliz, eu me adaptei ao estilo de vida local e não sofri com nada daquilo.
Depois desses quase três anos fora eu voltei para o Brasil e esse retorno foi muito difícil. Eu morava em São Paulo e, antes de ir para a Austrália, eu adorava. Eu tinha um flat onde eu recebia amigos, eu trabalhava muito, fazia exercício, ia pra balada, vivia uma vida de paulistana de classe média. Mas depois que eu experimentei um estilo de vida diferente, mais relaxado, sem trânsito, com bem menos estresse e muito mais segurança, parecia que eu tinha voltado para um lugar diferente, porque eu estava diferente. E imigrar faz isso com você, te torna diferente.
No Brasil eu comecei a trabalhar e depois de uns quatro anos a empresa me transferiu para os Estados Unidos. Nesse tempo de Brasil eu conheci meu marido, nos casamos e fomos juntos morar em Atlanta. A essa altura todas as minhas posses cabiam em duas malas, porque você aprende a priorizar e não se apegar demais a nada.
Chegamos nos Estados Unidos e já tinha alguém nos esperando no aeroporto. Ele nos levou ao hotel que a empresa tinha reservado para nós, onde ficaríamos até achar uma casa para alugar. Eles também contrataram uma pessoa para me ajudar com a documentação e me deram uma grana extra para as primeiras despesas, foi uma maravilha.
Moramos lá por quatro anos, em três casas diferentes, adotamos dois cachorros e tivemos a nossa Lara, que hoje tem dois anos. Foi um período muito legal, mas muito solitário. Tanto no meu trabalho quanto no do meu marido, as pessoas eram muito legais, a gente almoçava junto, se divertia durante o dia, mas não conseguíamos formar um vínculo de amizade, provando o que eu falei lá no começo, que é muito difícil você se inserir em uma cultura muito diferente da sua.
Eu cansei do meu trabalho, pedi demissão e decidimos nos mudar para Portugal, já que eu sou cidadã italiana. Veio o Covid, tivemos que adiar os planos, ficamos presos nos Estados Unidos morando em Airbnbs até que em outubro de 2020 conseguimos viajar.
Chegamos em Portugal e o choque foi muito grande. Aqui não tinha empresa para nos ajudar com nada e, diferente dos Estados Unidos, tudo é muito burocrático, é difícil encontrar informações, você depende da boa vontade das pessoas, é sofrido.
Nós achamos que a cultura aqui seria parecida com a brasileira, afinal de contas nós herdamos muitas coisas dos portugueses, mas a verdade é que as diferenças são muitas também. E existe preconceito contra brasileiros, muito preconceito.
Estamos aqui há pouco mais de um ano e agora que estamos conseguindo regularizar todas as coisas, mas ainda não estamos totalmente adaptados, ainda estamos tentando entender. E o covid claro que atrapalhou demais. De todos os países em que eu morei, Portugal tem sido o mais desafiador.
Por tudo isso eu digo que sou uma imigrante experiente, mas gosto sempre de dizer que as minhas experiências de morar fora são privilegiadas. Em todos os lugares em que eu morei eu tinha visto, tinha uma rede de apoio, tinha dinheiro para me manter, trabalho e recebi ajuda sempre que precisei.
Existe uma grande diferença entre imigrar com esses privilégios e imigrar apenas com o sonho de uma vida melhor e sobre essa segunda maneira eu não poderei falar por não conhecer.
Quando me perguntam se voltaria para o Brasil, eu sempre digo que “por enquanto não”. É difícil dizer que eu nunca vou voltar, as circunstâncias mudam e algumas coisas eu não posso controlar, mas nesse momento, mesmo com todas as dificuldades e perrengues que a gente está passando aqui, Portugal ainda é uma melhor opção.
Como de costume, esse texto ficou bem maior do que esperava, mas quero encerrar dizendo que imigrar é uma experiência incrível. O mundo é tão grande e existem lugares tão incríveis que eu acho difícil me imaginar presa a um lugar só. Cada lugar que eu morei me transformou, me ensinou, me bateu um pouco também, mas me fez crescer. A saudade da família e dos amigos nunca passa, mas você vai aprendendo a lidar e a se abrir a novas maneiras de se conectar.
E se você tem vontade de imigrar, tente. Pesquise, fale com pessoas, junte dinheiro, e vá. E se não der certo, volte. Não há nada errado em voltar, como também não há nada errado em não querer imigrar."
Repito, ao fim deste texto, o que disse à Dina Gattai quando o li pela primeira vez: "Estou aqui, em meio a um sorriso bobo e lágrimas nos olhos com a delícia que foi ler o seu texto. O penúltimo parágrafo foi para mim."
Não existe imigração perfeita, não existe vida perfeita. Existem sonhos que conseguimos viver plenamente, e outros que precisam ser alterados.
Todos os textos desta coluna - A viagem que é migrar - não são para te encorajar ou fazer desistir, mas para te mostrar experiências e que, muitos sentimentos são comuns.
Quer escrever para esta coluna? Mande um email para contato@umolharnovo.com
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A viagem que é migrar por Ana Paula Costa
A viagem que é migrar por Taisa Milene
A viagem que é migrar por Fernanda Campos
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